segunda-feira, 26 de março de 2012

Estudo sobre a mediunidade ::

3. A Natureza da Mediunidade

Limitando-nos daqui para frente à acepção restrita do termo 'médium', que é a mais usual e relevante, estaremos, então, no que se vai seguir entendendo a mediunidade como aquela aptidão especial que certas pessoas possuem para poder servir de meio de comunicação entre os Espíritos e os homens encarnados.
A questão que naturalmente surge neste ponto é a de se determinar qual é a natureza da faculdade mediúnica: quais as suas causas, por que surge somente em determinadas pessoas e em modalidades e graus diversos, se é passível de desenvolvimento forçado através de alguma técnica, etc.
Tais indagações vêm sendo abordadas com sucesso pelo Espiritismo, que sobre elas já projetou intensas luzes, contribuindo desse modo para que o manto de superstição e misticismo que desde eras imemoriais vem encobrindo a mediunidade fosse removido, e para que, melhor compreendida, pudesse ser corretamente utilizada para os elevados propósitos a que se destina.
Dois aspectos centrais relativos à mediunidade acham-se expostos na resposta à questão que Kardec endereçou aos Espíritos, no parágrafo 226 de O Livro dos Médiuns:
O desenvolvimento da mediunidade guarda relação com o desenvolvimento moral dos médiuns?
--- "Não a faculdade propriamente dita se radica no organismo; independe do moral. O mesmo, porém, não se dá com o seu uso, que pode ser bom ou mau, conforme as qualidades do médium."
Na presente seção nos ocuparemos exclusivamente do primeiro desses aspectos: a origem orgânica da faculdade mediúnica. A questão do emprego bom ou mau dessa faculdade será tratada na seção 6, abaixo.
Como observamos pela resposta dos Espíritos, a aptidão de poder servir de "ponte" entre o mundo espiritual e o mundo material está ligada a fatores de ordem orgânica. Essa constatação, que é reafirmada em vários pontos da obra de Kardec, bem como de outros autores espíritas abalizados, passa freqüentemente despercebida à maioria das pessoas, mesmo espíritas, o que acaba inevitavelmente gerando enganos sérios de compreensão e de prática.
Já em 1859 Kardec afirmava, em seu livro Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas (Vocabulário Espírita, item "Médium") que "esta faculdade depende de uma disposição orgânica especial, suscetível de desenvolvimento." (Ver também O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo 24, parágrafo 12.)
Em O Livro dos Médiuns as referências neste sentido são numerosas: No parágrafo 94, estudando as manifestações físicas espontâneas, o Codificador obtém dos Espíritos a informação de que "essa aptidão [de ser médium de efeitos físicos] se acha ligada a uma disposição física." No parágrafo 209, tratando da formação dos médiuns, Kardec raciocina: "Têm-se visto pessoas inteiramentre incrédulas ficarem espantadas de escrever [mediunicamente] a seu mau grado, enquanto que crentes sinceros não o conseguem, o que prova que esta faculdade se prende a uma disposição orgânica." Fica assim estabelecido mais um princípio, que destacamos: A mediunidade não depende das convicções filosóficas ou das crenças religiosas do médium.
Em resposta à questão 19 do parágrafo 223 deste mesmo livro os Instrutores Espirituais continuam esclarecendo:
A mediunidade propriamente dita independe da inteligência bem como das qualidades morais [do médium].
Observamos que aqui aparece a informação adicional de que a mediunidade independe também do desenvolvimento intelectual do médium. [Nota #2]
Com base neste conhecimento, estamos aptos a reconhecer freqüentes erros de apreciação sobre a mediunidade, quais os de pôr em dúvida as possibilidades mediúnicas de uma pessoa tão-somente:
  1. pelo fato de apresentar comportamento moral deficiente;
  2. por ser dotada de poucos recursos intelectuais ou culturais;
  3. pelo fato de não ser espírita.
No parágrafo 200 de O Livro dos Médiuns, Allan Kardec registrou o importante princípio de que "não há senão um único meio de constatar [a existência da faculdade mediúnica em alguém]: a experimentação."
Os princípios precedentes já nos possibilitam dirimir algumas confusões que freqüentemente surgem entre leigos e mesmo espíritas na apreciação da importante questão do desenvolvimento da mediunidade.
Uma primeira observação básica é a de que se a presença da faculdade mediúnica em uma pessoa independe de sua condição moral, intelectual e de crença, ninguém poderá tornar-se médium tão-somente pelo fato de moralizar-se, ou de estudar, ou de aderir às convicções espíritas. É evidente que essas atitudes serão de imenso proveito para a criatura, pois a colocarão em condições de compreender e utilizar bem a faculdade mediúnica que porventura possua.
É significativo a esse respeito que Kardec tenha alertado já no terceiro parágrafo da Introdução de O Livro dos Médiuns que muito se enganaria aquele que "supusesse encontrar nesta obra uma receita universal e infalível para formar médiuns." Lança mão, a seguir, de uma comparação muito clara e objetiva, que esclarece o assunto à saciedade (os destaques são nossos):
Se bem que cada um traga em si o gérmen das qualidades necessárias para se tornar médium, tais qualidades existem em graus muito diferentes e o seu desenvolvimento depende de causas que a ninguém é dado conseguir se verifiquem à vontade. As regras da poesia, da pintura e da música não fazem que se tornem poetas, pintores, ou músicos os que não têm o gênio de algumas dessas artes. Apenas guiam os que as cultivam no emprego de suas faculdades naturais. O mesmo sucede com o nosso trabalho. Seu objetivo consiste em indicar os meios de desenvolvimento da faculdade mediúnica, tanto quanto o permitam as disposições de cada um, e, sobretudo, dirigir-lhe o emprego de modo útil, quando ela exista.
O caráter espontâneo da faculdade mediúnica é ainda destacado no parágrafo 208 de O Livro dos Médiuns (o destaque é nosso):
Se os rudimentos da faculdade [mediúnica] não existem, nada fará que apareçam.
E no capítulo intitulado "Manifestações dos Espíritos" de Obras Póstumas (parágrafo 6, n. 34) encontramos esta rica passagem (destaque nosso):
O desenvolvimento da faculdade mediúnica depende da natureza mais ou menos expansiva do perispírito do médium e da maior ou menor facilidade da sua assimilação pelo dos Espíritos. Depende, portanto, do organismo e pode ser desenvolvida quando exista o princípio. Não pode, porém, ser adquirida quando o princípio não exista.
O mestre de Lyon não descuidava nunca de extrair das constatações científicas conseqüências referentes à nossa conduta, e no presente caso ele o fez (entre outros lugares) no parágrafo 198 de O Livro dos Médiuns, que trata da diversidade das faculdades mediúnicas:
Em erro grave incorre quem queira forçar a todo custo o desenvolvimento de uma faculdade que não possua. Deve a pessoa cultivar todas aquelas de que reconheça possuir o gérmen. Procurar à força ter as outras é, antes de tudo, perder tempo, e, em segundo lugar, perder talvez, enfraquecer com certeza, as de que seja dotado.
Encerrando o parágrafo, Kardec transcreve esta comunicação mediúnica de Sócrates, que se notabiliza por sua gravidade:
Quando existe o princípio, o gérmen de uma faculdade, esta se manifesta sempre por sinais inequívocos. Limitando-se à sua especialidade, pode o médium tornar-se excelente e obter grandes e belas coisas; ocupando-se de tudo, nada de bom obterá. Notai, de passagem, que o desejo de ampliar indefinidamente o âmbito de suas faculdades é uma pretensão orgulhosa, que os Espíritos nunca deixam impune. Os bons abandonam o presunçoso, que se torna então joguete dos mentirosos. Infelizmente, não é raro verem-se médiuns que, não contentes com os dons que receberam, aspiram, por amor-próprio, ou ambição, a possuir faculdades excepcionais, capazes de os tornarem notados. Essa pretensão lhes tira a qualidade mais preciosa: a de médiuns seguros.
Apenas como exemplo de opinião de um outro autor, corroborativa da de Allan Kardec, vejamos como Emmanuel responde à questão 384 de seu livro O Consolador, questão essa que versa especificamente sobre o tema que estamos focalizando:
Dever-se-á provocar o desenvolvimento da mediunidade?
-- A mediunidade não deve ser fruto de precipitação nesse ou naquele setor da atividade doutrinária, porquanto, em tal assunto, toda a espontaneidade é indispensável, considerando-se que as tarefas mediúnicas são dirigidas pelos mentores do plano espiritual.
Logo em seguida, em resposta à questão 386, o credenciado Espírito reitera:
Ninguém deverá forçar o desenvolvimento dessa ou daquela faculdade, porque, nesse terreno, toda a espontaneidade é necessária observando-se contudo, a floração mediúnica espontânea, nas expressões mais simples, deve-se aceitar o evento com as melhores disposições de trabalho e boa-vontade. [Nota #3]
Nós, espíritas, precisamos, portanto, estar vigilantes quanto à opinião, infelizmente tão comum em nosso próprio meio, de que as pessoas devem ser encaminhadas às chamadas "sessões de desenvolvimento mediúnico", que existem em muitas casas espíritas. São dois os motivos mais freqüentemente alegados para esse tipo de recomendação:
  1. O empenho e dedicação com que alguém se interesse pelo Espiritismo, sugerindo, segundo julgam, que têm "todas as condições" para exercer a mediunidade.
  2. Os desequilíbrios variados de saúde ou de comportamento que a pessoa apresente, notadamente quando venham desafiando a perícia dos médicos.
Ora, no primeiro caso dever-se-ia ponderar que as boas disposições do companheiro deverão ser aproveitadas antes de mais nada em seu aperfeiçoamento intelectual e moral, e, em se tratando de sua colaboração nas atividades do centro espírita, naquele setor ao qual mais se ajuste por sua formação profissional, seus interesses e disponibilidades, quais sejam a condução de estudos, a evangelização infanto-juvenil, a administração, a biblioteca, as visitas fraternas, a costura de enxovais, a faxina, a distribuição de alimentos, a acolhida aos novos freqüentadores, etc., ou os trabalhos mediúnicos, se os sinais de mediunidade se apresentarem de forma espontânea.
No segundo caso, que é o mais freqüente, seria preciso compreender que o mero fato de a pessoa se encontrar desequilibrada significa que não pode ser inserida no grupo mediúnico, sob o risco de comprometer o seu bom funcionamento. A mediunidade em si é uma faculdade neutra, que não tem qualquer conexão com os desajustes físicos, mentais e espirituais da criatura. Estes surgem por motivos específicos, e requerem o tratamento médico, psicológico ou espírita adequado ao caso. Somente após seu retorno à normalidade é que o companheiro poderá vir a participar, como médium, dos trabalhos mediúnicos, se a faculdade surgir espontaneamente. O exercício da mediunidade não é recomendável na presença de determinadas enfermidades físicas, como por exemplo, nas doenças contagiosas, ou onde o equilíbrio orgânico esteja "por um fio" e a atividade mediúnica envolva situações que emocionem muito o médium. No caso dos desequilíbrios mentais e espirituais, o exercício mediúnico não pode nunca ser iniciado, ou continuado. Um médium nessas condições não poderá contribuir positivamente com nada, além de gerar problemas para o grupo, inclusive facilitando a atuação de Espíritos interessados na instalação da desarmonia, dos melindres, das suspeitas, do enregelamento das relações entre os membros.
O desenvolvimento mediúnico a ser promovido nos centros espíritas não deve nunca ser entendido como o aprendizado de técnicas e métodos para fazer surgir a mediunidade, pois que não os há nem pode haver, mas exclusivamente como o aprimoramento e direcionamento útil e equilibrado das faculdades surgidas espontaneamente, o que pressupõe o aperfeiçoamento integral do médium, através do estudo sério e de seus esforços incessantes para amoldar suas ações às diretrizes evangélicas.
Ressaltemos, outrossim, que os núcleos espíritas não deverão iniciar qualquer trabalho mediúnico, quer de desenvolvimento (no sentido correto do termo), e muito menos de assistência aos Espíritos enfermos, se não estiverem seguros de que dispõem de colaboradores suficientemente preparados, por seus conhecimentos doutrinários, por seu equilíbrio psicológico e por sua conduta cristã, que disponham de tempo para encetar com regularidade tão delicada tarefa.

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